Qual é a postura acertada diante de Deus?
[Lc 18,9-14]
Essa é uma pergunta de fundo da parábola de hoje:
que postura de vida agrada a Deus? O fariseu era um religioso fiel, dedicado,
comprometido com o que determinava a Lei. Era, de alguma forma, ‘impecável’. Já
o publicano não era exemplo de vida. Um cobrador de impostos malvisto pelos
correligionários, tirava proveito de uma situação política para arranjar
recursos ou para enriquecer-se ou para sobreviver às penúrias da dominação
romana. Mas este volta para casa justificado.
Os dois vão ao mesmo templo, com o ‘mesmo
objetivo’ e começam sua oração com a mesma invocação: “ó Deus”. O conteúdo da
oração deles é que determina a intencionalidade, a postura de fé. O primeiro
eleva uma oração belíssima, de louvor e de ação de graças, completa do ponto de
vista da estrutura literário-litúrgica, mas totalmente autossuficiente,
orgulhosa, reveladora de uma prática religiosa que não leva em conta nem a Deus
nem o próximo. Coloca-se no centro, dirige-se a si mesmo. O segundo, porém,
coloca-se em atitude de dependência e necessidade da misericórdia de Deus.
Mostra-se verdadeiramente um homem de fé porque deposita toda sua confiança em
Deus. Não atribui nada a si mesmo. Reconhece-se pecador e quer retomar o caminho
da vida e da salvação. E sabe que isso não depende somente dele, mas, sobretudo
do Pai compassivo.
A oração do fariseu não leva em conta ninguém
mais a não ser a si mesmo. Não pensa nos pobres, nos pequenos, nos excluídos.
Julga que, observando as práticas externas da Lei, já está agradando o Criador.
No entanto, Jesus ensina que não basta uma prática externa da Lei. É preciso de
uma vida que acompanhe a oração. Ou melhor, é preciso de uma oração que informe
a vida para lhe dar sentido. Oração que chega ao coração do Pai é aquela que
brota de uma alma humilde, pequena, simples, confiante, misericordiosa,
preocupada com as necessidades dos irmãos.
É Deus quem nos faz
justos
Estamos caminhando para o final do mês
missionário. Às vezes se tem uma visão deturpada de missão. Isto pode dever-se
ao fato de ter-nos sido imposta pelos colonizadores europeus uma cultura que, em
nome da fé, sacrificou muitas vidas. Ficamos então pensando que fazer missão é
pregar para os outros, impondo nossa maneira de pensar e de viver. Hoje
entendemos que as “sementes do Verbo”, isto é, o próprio Deus já está presente
nas pessoas e nas comunidades. Resta-nos ajudar a descobrir, pela força da
Palavra, Sua presença nessas realidades e não deixar que o pecado, fruto do
egoísmo humano, mate ou devaste a beleza do Criador em cada ser humano.
Nossa ação missionária se dá de diversas formas:
pela oração, pela visita, pela acolhida, pelo trabalho na comunidade, pelo
perdão, pelo jeito de trabalhar e de realizar o cotidiano, marcados pelos
“sentimentos que havia em Jesus Cristo”.
Quando Jesus, no evangelho deste domingo, fala
sobre duas posturas [fariseu e publican] distintas na oração, quer nos mostrar
que não basta praticar uma religião de modo formal apenas, mas é preciso
reconhecer nossa realidade diante de Deus. Ninguém pode salvar-se sozinho, ou
seja, entrar na amizade de Deus por conta própria. A primeira atitude deve ser
de reconhecer nossa impotência diante de Deus e abrir-nos ao seu amor.
Os fariseus, termo que significa separado,
constituíam um grupo que buscava observar fielmente a Torah [o Ensinamento de
Deus]. Eram pessoas bem intencionadas e até estimadas pelo povo com quem
trabalhavam. O problema é que eles se tornaram muito rigorosos com aqueles que,
por motivo de pressão dos dominadores romanos, não observavam a Lei com todo o
rigor. Estabelecia-se entre eles e os publicanos uma distância, até mesmo uma
inimizade.
Jesus quer mostrar que não basta cumprir a Lei
pela Lei, mas é preciso colocar-se numa relação amorosa. O que conta mesmo é o
amor.
A conclusão da parábola nos leva a compreender
por que o publicano voltou justificado para casa: ele se reconheceu pecador,
necessitado da misericórdia de Deus na qual acreditava. Reconhecer-se pecador e
clamar por misericórdia é demonstrar a necessidade de ser ajudado, amparado por
Deus. E Deus se dá a conhecer no perdão, na vida nova que ele concede a quem a
busca nele, com humildade. O que nos justifica diante de Deus não são nossos
méritos, mas a bondade de Deus que nos fortalece para a prática da justiça: a
caridade.
Ser missionário não é uma questão de opção, mas é
intrínseca à fé cristã. É resultado de um amor que transborda de dentro de nós e
nos faz inquietos. O que é bom para mim, faz sentido para mim, me enche de
alegria interior quero-o também para os outros. “Dai de graça o que de graça
recebestes”. Isto é missão.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN
MANHUMIRIM, MG