Os brasões de pessoas, famílias, cidades, instituições têm uma linguagem
especial, nem sempre perceptível para quem não cultiva essa tradição. Deixando
de lado o que é mero exercício de vaidade ou exibicionismo, a heráldica, através
de símbolos, cores, frases, emitem mensagens, comunicam convicções, realçam
urgências, pregam valores.
É com essa intenção que os bispos e abades, a partir da idade média europeia,
costumam apresentar seus programas de vida e ministério.
O atual sumo pontífice que, antes e tudo, é o bispo de Roma, conservou
basicamente, o escudo que ele já possuía como bispo na Argentina, que é um
resumo de sua vida. O escudo é encimado não mais pelo chapéu episcopal ou
cardinalício, mas pelo símbolo da dignidade pontifícia, a mitra (e não a tiara,
como chegou a constar do escudo e uso de outros papas), entre as chaves (do
Reino dos céus), que recorda o poder dado por Jesus a Simão Pedro, após sua
confissão na messianidade de Jesus (cf. Mt 16,13ss).
Chama a atenção que o Papa Francisco não abre mão de recordar que é um
jesuíta, conservando o emblema da Companhia de Jesus (SJ), isto é, um sol com as
primeiras letras, maiúsculas, do vocábulo “Jesus” em língua grega (IHS). Mas
este emblema foi primeiramente elaborado pelo franciscano São Bernardino de
Siena (1380-1444), conhecido como “o Pregador do Povo”, para demonstrar seu
entranhado amor pelo Salvador.
Duas outras ilustrações realçam no escudo pontifício as devoções do Papa
Francisco: a Virgem Maria, Mãe de Jesus e da Igreja, simbolizada pela estrela; e
São José, apresentado iconograficamente pela flor de nardo. São José, em cuja
festa litúrgica (19/3) o Papa quis dar início ao seu pontificado, é o Padroeiro
da Igreja no mundo inteiro.
A maior expressão do escudo do Papa Francisco vem, sem dúvida, da frase que
ele escolheu como brado de evangelização: miserando atque
eligendo. Em língua latina a expressão assim se entende: “Olhou-o com
misericórdia e o escolheu”. Não é uma citação bíblica explícita, mas é uma
referência ao Evangelho de Mateus (9, 9-13), comentado por um erudito beneditino
inglês, São Beda, o Venerável (672-735).
São Mateus era publicano, coletor de impostos, pouco apreciado pelos judeus
que tinham sua terra ocupada pelos romanos. Não obstante, Jesus não faz acepção
de pessoas, afirmando que não são os saudáveis que precisam de médico, mas sim
os em enfermos, concluindo com um pensamento (cf Oseias 6,6) que resume toda a
novidade da sua pregação: “Misericórdia eu quero, não sacrifícios”. A
misericórdia com que Jesus envolveu o discriminado Mateus fez dele um eleito da
Nova Lei, um fiel discípulo e pregador da Palavra de Deus.
Não seria imprudente pensar que Papa Francisco está a nos dizer: a minha
pregação quer ser igual à de Jesus; não quero me ater às discriminações e às
marginalizações, não quero ser um prolongador de exclusões, não pretendo ser
arauto de uma religião a exigir vitimismos do povo; quero apregoar o que há de
mais importante para a Igreja testemunhar ao mundo: a misericórdia de
Deus.
Autor: Domingos Zamagna.